por David Coimbra (Zero Hora)
Observo o Bernardo enquanto ele dorme. De vez em quando um sorriso se abre em seu rostinho. Sonha com algo bom, decerto. Imagino qual deva ser o tema do sonho agradável de um nenê de um mês de idade. Leite jorrando às catadupas de seios voejantes. Uma banheira cheia de complemento morninho, meu garoto adora complemento morninho. E bicos cobertos de funchicória, claro.
Fica por aí. Nenês de um mês não têm muitas outras atividades de lazer. Foi por isso que resolvi ter uma conversa séria com ele no dia 18, quando o Bernardo fez exatos 30 dias. Diziam que ele me compreendia quando estava dentro da barriga. Agora, então, sem nada entre nós, cara a cara, olho no olho, obviamente que vamos nos entender muito melhor. Peguei-o no colo e comecei a falar.
- Seguinte, cara: tu estás fazendo 30 dias. Um mês. Não é pouco tempo. Com um mês de trabalho, a gente ganha um salário inteiro. Em um mês, uma paixão pode nascer, morrer e transformar-se em ódio. Um império cai em um mês, um time vai para a segunda divisão, trinta reputações podem ser destruídas em um único mês! Ele me olhava com muita atenção. Respirei fundo. Prossegui:
- Mesmo assim, um mês é pouco, comparado a quem, como teu pai aqui, tem anos de experiência. Anos, compreende? Dezenas de mês, não um só.
Pela forma como ele chupou o bico, vi que entendia. Fui em frente:
- Portanto, preste atenção, rapaz. Preste atenção!
Fiz uma pausa para causar impacto. Ele arregalou ainda mais os olhos. Arrematei:
- A vida não é só tetas, meu! Não é só tetas! Há muito mais pela frente. Esse pode ser um mundo bom, rapaz. Pode, sim. Basta que você não fique obcecado, como parece, por tetas, tetas, tetas. Abra sua mente, rapaz!
Tenho a impressão de que ele tentou bater palminhas, em aprovação. Espero que tenha absorvido bem esse primeiro conselho que recebeu na vida.